quarta-feira, 25 de junho de 2003

... reflexões de António Lisboa inseridas em jeito de outpost comment neste blog

Mão-Morta # Bar Nasoni # Viana do Castelo, 22 de Novembro
Sexta-feira sabe-me sempre a luxúria...
Tinha sido um dia cansativo de trabalho, uma invasiva impotência psicológica, para quer que fosse... mas acordou-se-me o sensual, precipitei-me pelo asfalto, pela rua de paralelos, até defronte das traseiras da casa de Deus – lá mora o Nasoni Bar, o domicílio da luxúria desta noite...
O grande artista-arquitecto é elevado neste espaço lindo, um oceanário granítico, abóbadas semi-circulares de pedra-cascalho, iluminação crua e simples, um grupo de pessoas castiças entre as cerca de 100 almas que atestaram o Nasoni.
O Canibal chegou de macacão-auto, entrou sereno, comunicativo com a plateia, empenhado, num louvável profissionalismo e gozo pessoal, apesar do cansaço indisfarçável (acho que todos agradecemos esta ousadia de sensibilizar para a necessidade de um roteiro musical pelos bares e pub’s urbanos, mas será que todas as bandas terão fôlego para tal?!).
Uma sequência musical cuidadosamente seleccionada, um frémito crescente e progressivo, percorrendo a Primavera de Destroços e outros álbuns recentes (confesso que não os conheço muito bem) e aqueles clássicos recitados por toda a fã amálgama maneta: “e se depois”, “Berlim”, “até cair”, “1º de Novembro”, “quero morder-te as mãos”, “oublá”, “Lisboa”...(estava no WC, a filosofar com o autoclismo) De seguida pedimos “Viana”, mas "Herr" Adolfo referiu que antes de “Viana”, está “Braga” (vamos lá ver se o Rafael – o do teclado, carinhosamente recebido pela plateia, faz valer o lobbie da princesa do Lima...)
ALC esteve como uma serpente píton: enroscado, silvos fulgurantes, deslizando portentoso, com episódicos soluços epilépticos – tem Braga nas veias, assolam-me silhuetas das torres dos Congregados, o sinistro zunir das ramagens posteriores ao Rechicho, o monóxido de Carbono da Rua do Raio, a efervescente revolução juvenil pós 25 abril pelo John Lennon, o granito intocável e triste da Sé nas noites de Inverno, a calma e paz histórica do Largo do Paço, o cheiro a inquisição pelas ruelas de S.Vicente, as classes proletárias e sindicalismos por D.Pedro V e S.Victor... “Braga/ Minha Puta, Minha Amada/ Por ti me derramei...” Também me assaltam K.Weill, Brecht, H.Hélder, Cesariny, António Maria Lisboa, mas já me disseram que talvez esteja enganado, quanto ás supostas influências dos textos de ALC...

O concerto acabou com “oublá”... ficou a saudade e nostalgia, como a presente na música dos Daizy Chainsaw, que fecha a velhinha K7 de fita de ferro, onde tenho os álbuns “Mão-Morta” e o “O.D., Rainha do R.C.”

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Corro pela noite fora,
Bato em postes e latas de lixo
Salto em cima de meu fiel cão
Chutos em bolas de veludo
Gritos vomitados á toa,
Na estrada d’alcatrão apagado.
Ouvem-me mochos e ratazanas,
Cuja companhia lhes é a apetecida.
Perseguem-me bóinas-azuis
“Filhos da mãe! Sacanas de merda!”
Fujo com minha ferida a sangrar,
Jamais cicatriza.
Corro pela noite fora
Tropeço em porcarias etéreas
Em procura do recanto mais escuro,
Meu céu estrelado, rasgado.
Cai neve nos meus sonhos
Os incêndios da montanha apagaram-se
Pássaros exóticos chilreiam nas árvores
Espreguiçam-se os ursos-polar.
Cavalgo em cometas alados
Beijam-me as gatas do muro, Alice,
Num mundo de maravilhas.
Rios de flores voam por cima de nuvens
Chovem gaivotas em montes de esterco.
Chuto a bola de veludo.
Estouram balões de São João
Dançam sete bruxas junto ao lago
De águas alcoólicas e espumantes
Pastam os bichos ruminantes
Em prados de verduras metálicas.
Aquela casa vai cair outra vez.
Aquela casa,
Vai cair outra vez...
Outra vez...


AL, Braga, fev93

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