quinta-feira, 22 de agosto de 2002

comentário enviado por António Lisboa


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"os poetas"
entre nós e as palavras

saiu em 1997, mas só nestas férias tive oportunidade de conhecer e ser surpreendido por este trabalho conjunto da Assírio & Alvim, Sony Music, com Rodrigo Leão.
Surpreendido por ser diferente, pelo requinte e bom gosto do Manuel Hermínio Monteiro (já lá vai mais de 1 ano, mas ainda vive), que concebeu este projecto; pelo Rodrigo Leão de quem já tudo foi dito e pela colecção de textos e récitas de alguns dos nossos maiores poetas surrealistas:
Al Berto
Mário Cesariny
António Franco Alexandre
Herberto Helder
Luiza Neto Jorge

foi difícil fazer uma escolha, e

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Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar


Mário Cesariny

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